ponte que nos leva de um lado ao outro do quarteirão |
Ali na Barra Funda, bairro da zona Oeste de São Paulo, quando queremos nos localizar em certo ponto, geralmente olhamos para o céu, onde brilha uma cruz azul e solitária no alto de uma igreja. Essa cruz é como um guia para viajantes solitários e bêbados da noite com seus passos pesados e sua respiração cansada, espirrando álcool na calçada.
Além da cruz, há uma ponte que nos leva de um lado ao outro do quarteirão, por cima da linha do trem. É toda grafitada, e os desenhos, iluminados pela luz fraca dos postes, ganham tonalidades sombrias e significados estranhos. Mesmo assim, para nossa alma, trazem certo alívio, um alento no meio de um fim de mundo. Na ponte, primeiro sobe-se uma escada, depois caímos em um corredorzinho de onde avistamos o tronco transversal. Um muro alto não nos deixa saber o que há por lá, e muito menos a curva ríspida que nasce do corredor menor.
Passei duas vezes por esse beco. Na primeira, foi mesmo sem querer. Eu voltava de um clube, muito bêbado, mas inflamado, chutando o asfalto e comendo a brisa com boca em brasa. “Aquilo era poético”. Foi o que pensei naquele exato momento. “Que poético”! O andarilho solitário que não sabe para onde vai. As ruas variam em quarteirões gêmeos. Os galpões sempre acabados indicam progresso e boas vidas do passado.
Talvez, em um daqueles galpões, trabalhasse uma menina loira e sonhadora, filha de imigrantes, uma pobre sonhadora. Ela, assim como suas iguais, se gabaria de ser bela e ter pais polacos. “Não sou como essas mestiças pobres”, pensaria. Julgava ter um emprego bom, carteira assinada com direito a férias e décimo terceiro, mas o que fazia era levar batatas de um lado para o outro, num cesto gordo, pesado, exalando um vapor fresco.
Essa garota seria um pequeno rosto, um rosto fantasmagórico na minha caminhada até a ponte. Iria me dar calafrios, me fazer apertar o passo e procurar lucidez. Volte sobriedade, não me abandone agora. E de janela em janela eu veria mais e mais cabeças e histórias, vidas de homens cheios de orgulho e coragem, vidas perdidas na escuridão. O cheiro quente das prostitutas debruçadas na varanda de um sobrado, rindo e tomando vinho do Porto com bigodudos casados. Abanando lenços e sujando lençóis, camas desarrumadas e felizes, albergues lotados de frutas. Cebolas e tomates rolando pelo chão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário