12 de junho de 2012

Mistérios da Barra Funda

ponte que nos leva de um lado ao outro do quarteirão 


Ali na Barra Funda, bairro da zona Oeste de São Paulo, quando queremos nos localizar em certo ponto, geralmente olhamos para o céu, onde brilha uma cruz azul e solitária no alto de uma igreja. Essa cruz é como um guia para viajantes solitários e bêbados da noite com seus passos pesados e sua respiração cansada, espirrando álcool na calçada.

Além da cruz, há uma ponte que nos leva de um lado ao outro do quarteirão, por cima da linha do trem. É toda grafitada, e os desenhos, iluminados pela luz fraca dos postes, ganham tonalidades sombrias e significados estranhos. Mesmo assim, para nossa alma, trazem certo alívio, um alento no meio de um fim de mundo. Na ponte, primeiro sobe-se uma escada, depois caímos em um corredorzinho de onde avistamos o tronco transversal. Um muro alto não nos deixa saber o que há por lá, e muito menos a curva ríspida que nasce do corredor menor.

Passei duas vezes por esse beco. Na primeira, foi mesmo sem querer. Eu voltava de um clube, muito bêbado, mas inflamado, chutando o asfalto e comendo a brisa com boca em brasa. “Aquilo era poético”. Foi o que pensei naquele exato momento. “Que poético”! O andarilho solitário que não sabe para onde vai. As ruas variam em quarteirões gêmeos. Os galpões sempre acabados indicam progresso e boas vidas do passado.

Talvez, em um daqueles galpões, trabalhasse uma menina loira e sonhadora, filha de imigrantes, uma pobre sonhadora. Ela, assim como suas iguais, se gabaria de ser bela e ter pais polacos. “Não sou como essas mestiças pobres”, pensaria. Julgava ter um emprego bom, carteira assinada com direito a férias e décimo terceiro, mas o que fazia era levar batatas de um lado para o outro, num cesto gordo, pesado, exalando um vapor fresco.

Essa garota seria um pequeno rosto, um rosto fantasmagórico na minha caminhada até a ponte. Iria me dar calafrios, me fazer apertar o passo e procurar lucidez. Volte sobriedade, não me abandone agora. E de janela em janela eu veria mais e mais cabeças e histórias, vidas de homens cheios de orgulho e coragem, vidas perdidas na escuridão. O cheiro quente das prostitutas debruçadas na varanda de um sobrado, rindo e tomando vinho do Porto com bigodudos casados. Abanando lenços e sujando lençóis, camas desarrumadas e felizes, albergues lotados de frutas. Cebolas e tomates rolando pelo chão.

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